terça-feira, 22 de dezembro de 2009
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
MINHA MÃE ERA TAMBÉM MARIA
Mãe que rezava as ave-marias do meu anoitecer,
Balançando as pobres redes do meu viver.
Mãe dos alguidais na lida do açaí,
Dos meus arborizados quintais
que se enfeitavam de serimbabos, de porcos bravos,
mas que me levavam a passear
E em plena aurora gritavam à fome
Do meu querer.
Mãe dos manguezais,
dos troncos de buriti,
tecendo o matapi para pescar
e gapuiar nos igarapés,
nos mansos rios
que sem remansos
acolhiam os prantos daquela pobre mulher.
Água vazando, matapi boiando, é hora de voltar,
pois suas meninas mortas pela pobreza
estão nas ribanceiras,
nos galhos das árvores tortas a balançar,
escondidas nos pensamentos,
daqueles momentos,
entre as touceiras a assustar.
E a saudade de suas meninas
batia forte, como a morte
de mais um triste amanhecer.
Remoendo as sinas de suas lembranças,
embora mansas no endurecer.
Mas vinha a alegria
do festejo de Santa Maria,
Nossa Senhora mãe de Jesus
e minha querida mãe Maria
lá estava, à frente do pequeno oratório
com Nossa Senhora a nos ensinar
a rezar as ladainhas,
com suas vizinhas, outras Marias,
de outras bandas, lá dos ilhéus,
que se enfeitavam de rosas tantas
pegavam o remo e iam cantar para mãe do céu.
As crianças pouco entendiam aquela festa,
mas corriam na sala grande
De paxiúba, de bancos largos,
Como único parque de suas vidas.
E naquela casa de enormes frestas
o vento entrava assoviando,
a chuva junto afogando
as palhas secas e murchas de suas paredes.
Meninas magras, sofridas
como borboletas tontas, compridas,
surrupiavam no ar,
enquanto minha mãe Maria cantava com suas vizinhas.
Mas minha mãe Maria, no outro dia,
não se encantava
com as lembranças e peraltices de suas crianças,
e com nossas bonecas amadas
feitas dos cachos do açaí
nos repreendia
ao relento que entardecia no matagal.
E eu me escondia atrás de meu santo pai,
pois doía tanto, mãe querida,
aquela sua pedagogia de nos educar
para amar e respeitar a mãe de Deus.
E as pobres bonecas eram lançadas no quintal,
partindo para o florido manguezal
mas ficando para sempre em nossas mentes.
Companheiras das primeiras brincadeiras
de uma linda história infantil.
E outras noites chegavam em nossa história.
E minha mãe Maria encantava novamente todas elas,
com sua fascinante memória.
Perto das janelas, lá estavam
o fogão de lenha, as panelas de um barro pardo,
com mingau de cores diferentes.
Redes balançando inocentes,
que tão contentes pegavam suas cuias
abarrotadas de mingau quentes
Como um sol morno
aquecendo os magros corpos nas finas redes do inverno.
Mãe Maria, que cantava com voz rouca,
intervalando os cochilos de cansaço,
já sonhava com o regaço de peixes,
para o sustento de suas crias.
Mãe Maria, já à beira do rio em correnteza,
com a trouxa de roupa recitava com pureza
seus lindos versos que alvejavam ainda mais
cada parte do tecido que passava em suas mãos.
O tempo foi passando,
Maria foi mudando,
seus cabelos esbranquiçando,
a visão enturvecendo,
mas a voz ainda cantava,
suas mãos ainda embalavam,
com seus versos repentistas,
recordando o amor e a dor
de Nossa Senhora por seu filho Jesus.
10-05-2009
Lucinha Macedo