quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O DOCE INFERNO DOS AMANTES

O amor, famigerado malefício,
Invade-nos, mesmo sem ter licença,
Deprime corações, tal qual doença,
Nos cobre de ilusões, torna-se vício.

O amor, se não dosado, vira crença,
E a crença pode, enfim, gerar suplício;
Deve-se, pois, regrar desde o início;
Porém, perante o amor não há quem vença.

Ilude-se quem jura amor eterno!
Paixão é uma felicidade falsa
Que embala o coração como uma valsa.
Amar é transladar do céu ao inferno.

Nas tramas do amor, se contradiz
Quem prega que o amor é justo, é sorte...
Amar é caminhar perto da morte;
Porém, quem nunca amou não é feliz.

(MÁRCIO GALVÃO)

Carpe diem

Aproveita todo o tempo
o tempo todo
nao desperdices as migalhas
nem as de pao, nem as de amor.
Vê: há um certo elogio numa ereção voltada para ti
um corpo te quis
e isso é bom.
Lê todos os livros,
os clássicos e os romances baratos de páginas cinzentas
nenhum conhecimento é inutil
nem falar latim fluentemente em frente ao espelho
enquanto vasculhas a cara em busca de rugas
Nao temas a vida
mas evita a morte nos suicidios lentos
um pouco de apatia, um excesso de festas
e lá se vao os dias.
Aproveita as noites - dormindo ou dançando
insone ou sonhando
o tempo passa
pouco traz, muito leva
e só.

Raquel Costa

É bom estar distante
agrava mais a saudade
abre melhor os olhos e os sonhos.
na distância se enxerga melhor
o caminho, o destino
a verdade.
é bom estar distante
a proximidade sufoca
o roçar de braços falsos irrita
e a propria vida
é vivida no automático.
só distantes fazemos planos
ou refletimos.
é bom ficar longe, de tocaia
observando o movimento
definindo na alma
se é saudade ou carência,
definindo nos olhos
se é inveja ou alivio.
é bom ficar distante
mesmo na beira do abismo."

Raquel Costa

CHOCOLATE

Cupido, o Louco, entediado
Pela eternidade atira seus dardos:
Às vezes acerta a mira.
Noutras se distrai e erra.
E nós mortais da Terra
Cá pagamos o preço da brincadeira.
Uns recebem amores sinceros
Companheiros da vida inteira
Outros, paixões ardentes
Momentos de euforia e gozo
- fazem bem, mas não perduram.
Outros apenas consomem
O chocolate dos não-amados
O licor amargo da solidão.

Cupido, o Louco, traça os laços
Os caminhos e obstáculos
Que unem e separam
Nós mortais aqui na terra.
Não há escolha, nem destino,
Só a louca mira de um menino
Que à toa seleciona
Quem amará e será feliz
Quem terá pouco,
Mas ainda terá algo
E os que terão apenas
O chocolate dos mal-amados.

Raquel Costa

ESTE AMOR

Todos os outros amores
Sombras, gelo
Dispersaram-se, dissolveram-se
- houve um que se fossilizou
Não morreu, nem acabou
Apenas tornou-se pedra.
Todos esses outros
Não resistiram às longas esperas
Sucumbiram ao primeiro não.
Apenas um criou raízes
E as longas estiadas
E as violentas ventanias
E a lenta agonia do talvez
Nada disso o arrancou.
Continuou aqui
Fixo, preso
Me aprisionando.
Apenas um: este, que é por ti.

Raquel Costa

Não é o primeiro amor
e nem poderia:
nesta idade já se amou tanto
que o coração se desgastou, se cansou
Nao é o primeiro amor,
a primeira ilusao
a primeira perda
e nem poderia.
Aprende-se a esquecer
a se reerguer
a seguir:
inteiros - ou nao.
Nao é o primeiro
é só mais um,
o atual.
Por isso dói
por isso prende.
Por isso tem esse gosto de eterno
tem esse peso.
Nao é também o ultimo amor
e nem poderia
mas é o de agora
e ainda nao passou.

Raquel Costa

APRENDIZADO

Eu já amei de olhos fechados,
De coração aberto,
Com asas nos pés
E corpo apressado.
Amei com mão estendida,
Ouvidos surdos,
Abrigos sinceros,
E tempo perdido.
Hoje não amo mais assim.
Desaprendi de amar.
Agora palmilho devagar o caminho
Estreito os olhos para ver melhor,
Aguço o faro
E paro ao menor perigo.
Já não amo de coração tranquilo
Com mãos abertas
E passos firmes.
Amo com medo
Com receio
De me entregar.
Porque o amor se revelou armadilha
E eu me cansei de lutar.

(Raquel Costa)

EU

Não nasci para o amor
Nem para as coisas amorosas.
Nasci para os acasos
Para histórias não-contadas
Para as histerias camufladas.

Não nasci para o amor:
Nem Vênus nem Eros me conhecem.
Visitei, iludida, as moradas de Hades,
Buscando aquilo que é somente palavra:
Love, lieben, amour, amore...

Não nasci para o amor,
Nem para as coisas amorosas.
Nasci para a farsa carnal,
Encontros raros com Príapo,
Nasci para a alegria de carnaval,
Com direito à mentira, à fantasia.
Nasci para rir, lutar, vencer....
Nasci para ser feliz,
Para grandes vitórias.
- Só não nasci para o amor,
Nem para as coisas amorosas.

(Raquel Costa)

PARA QUE SAIBAS PERDOAR

Mede os pecados alheios
Com engenhosa vara de gelo
- ela derreterá antes do fim
E não saberás o tamanho do erro.
Mistura o Bem e o Mal
O ideal e seu contrário
No mesmo funil
-verás que se confundem
Se fundem
E nem tu dirás o que se forma.
Organiza o catálogo dos erros
Como se já os tivesses cometido
-verás então que todo delito
Possui uma explicação.
Para aprender a perdoar é preciso
Que na própria pele tenhas sentido
Todo o peso da contradição:
Quero e não posso
Faço mas não devo
Nego mas desejo
Sinto mas não assumo.
O perdão possui sua áurea regra:
Que atire a primeira pedra
Quem jamais tenha tropeçado
Ou roubado o sorriso de alguém.

De mais, ninguém há que possa
Dizer que nunca fará desacertos
Nem beber a água desta poça.

(Raquel Costa)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Carta-Poema

Saudações, divina amiga
(chamei-te assim a alguns anos
não que o mereças
- embora talvez sim -
mas porque há em ti
- às vezes -
algo dos materias gregos
com que se esculpiam as deusas:
a beleza rude das pedras
a justiça semi-cega de Minerva
a lealdade estranha
com que brindas teus amigos
e que eu, no meu canto, observo
e portanto sei o que digo.)

Como em outro textos
dar-te-ei um poema
desta vez verdadeiro.
Um poema em outra língua
de uma doçura ímpar
que eu, depois de lê-lo
não me considero mais poeta
embora o seja.
Talvez já o conheças.
Se não, vais lê-lo. Senti-lo.
E talvez fiques, como eu, muda
ante a grandeza
a eterna beleza
a perfeição
do poema de Pablo Neruda:


Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo:"la noche está estrellada
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".

El viento de la noche gira en cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En la noches como ésta la tuve entre mis brazos.
!la besé tantas veces bajo el cielo infinito!

Ella me quiso, a veces yo también la queria.
!como no haber amado sus grandes ojos fijos!

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como el pasto el rocío.

Qué importa que mi amor no pudera guardala.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercala mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Ya no la quiero, es certo, pero cuánto la quise!
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no a quiero, es certo, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta, la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el ultimo dolor que ella me causa
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.

(Raquel Costa - 12.11.04)

AO VINHO

É só o vinho
que movimenta
o redemoinho
deste sentimento
extinto.

Bebo o vinho
entorno o copo
me entorpeço
e desacredito
do óbvio

É só o vinho
que desperta
que atiça
esta libido
fugidia.

Deves ao vinho
estas fagulhas
estes beijos
estas ternuras
que ofereço.

É só o vinho
que me acende
que me excita
como se te quisesse
ainda.

Sem o vinho
eu acordo
e aceito o óbvio:
não te quero
não te desejo.

(Raquel Costa)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

DAR NÃO É FAZER AMOR

Dar é dar.
Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido.
Mas dar é bom pra cacete.
Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca...
Te chama de nomes que eu não escreveria...
Não te vira com delicadeza...
Não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom.
Melhor do que dar, só dar por dar.
Dar sem querer casar....
Sem querer apresentar pra mãe...
Sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo.
Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral...
Te amolece o gingado...
Te molha o instinto.
Dar porque a vida é estressante e dar relaxa.
Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã.
Tem pessoas que você vai acabar dando, não tem jeito.
Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem
esperar ouvir futuro.
Dar é bom, na hora.
Durante um mês.
Para os mais desavisados, talvez anos.

Mas dar é dar demais e ficar vazio.
Dar é não ganhar.
É não ganhar um eu te amo baixinho perdido no meio do escuro.
É não ganhar uma mão no ombro quando o caos da cidade parece querer te abduzir.
É não ter alguém pra querer casar, para apresentar pra mãe, pra dar
o primeiro abraço de Ano Novo e pra falar:
"Que que cê acha amor?".
É não ter companhia garantida para viajar.
É não ter para quem ligar quando recebe uma boa notícia.
Dar é não querer dormir encaixadinho...
É não ter alguém para ouvir seus dengos...
Mas dar é inevitável, dê mesmo, dê sempre, dê muito.

Mas dê mais ainda, muito mais do que qualquer coisa, uma chance ao amor.
Esse sim é o maior tesão.
Esse sim relaxa, cura o mau humor, ameniza todas as crises e faz você flutuar

Experimente ser amado...

(Luis Fernando Veríssimo)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Passagem

O amor passou.
Deixou no chão resíduos
um rastro fantasiado de saudade.
O amor passou,
arrastando-se, manco;
achei que não andaria uma légua
que a dor - maldita - seria eterna.

E não é que o amor passou?

Deixou impregnado um cheiro:
o odor dos corpos felizes;
deixou nas paredes o som dos sorrisos livres.
Mas passou.
Cruzou a estrada
e se foi.
 

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